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sexta-feira, 16 de julho de 2010

Falcatrua Séria



postagem original

No fim de 2003, quatro estudantes da UFES interessados em exibir filmes, criaram um projeto de extensão chamado Videoclube Digital Metrópolis. A idéia era promover sessões independentes de cinema, sem linha editorial, cuja prioridade máxima era o usufruto da exibição.

As duas primeiras sessões aconteceram no Teatro Metrópolis, que logo fechou as portas. Aí os meninos começaram a fazer exibições pelo campus: no paredão do curso de Comunicação, no galpão das artes, na grama em frente a biblioteca. Qualquer lugar era lugar pra exibir.

Foi quando o videoclube se transformou em Cine Falcatrua, apelido dado pela galera que acompanhava o circuito de exibição gratuita dos filmes baixados via internet. Raridades, lançamentos e novidades passavam na tela do cineclube, que acabou conquistando um público eclético.

O primeiro filme a passar foi Matou a Família e Foi ao Cinema, de Julio Bressane. O segundo, que ainda não tinha estreado no circuito, era Kill Bill, de Quentin Tarantino, Europa Filmes. O Falcatrua também exibiu, antes de sua estréia no Brasil, o documentário de Michael Moore, Farenheit 11 de Setembro, Lumière.

Como as exibições eram sempre um sucesso, a iniciativa dos garotos começou a chamar a atenção da mídia, e muitos veículos de comunicação deram destaque ao trabalho do ousado grupo de exibidores. Até que a Universidade recebeu uma liminar exigindo o encerramento das atividades do Cine Falcatrua.

A ação, movida em nome das distribuidoras Lumière e Europa, acusava a Universidade de “concorrência desleal”, e solicitava uma indenização de R$480 mil pelos filmes já exibidos. Mas, junto com o problema na justiça, vieram as monções de apoio ao Cine Falcatrua.

O movimento cineclubista nacional, cineastas, estudantes, produtores, jornalistas, muita gente se manifestou a favor da manutenção do projeto. Alguns realizadores autorizaram a exibição de seus filmes como forma de ajudar a fortalecer o Falcatrua. Cláudio Assis, por exemplo, enviou Amarelo Manga, Paulo Sacramento, o Prisioneiro da Grade de Ferro.

E como o objetivo do Falcatrua nunca foi fazer pirataria, e sim gerar acesso à cultura cinematográfica, o cineclube passou a realizar programações com filmes devidamente autorizados. Alguns diretamente pelos autores, outros publicados em Creative Commons, copyleft e GFDL

Pra galera do Cine Falcatrua, o problema da distribuição das novas tecnologias não é tanto um problema. É mais uma novidade, uma questão de cair a ficha e aceitar essa nova realidade que já está aí. “O importante é buscar respostas coletivas que agradem e atendam a quem usa. E o Falcatrua se considera um laboratório dessa coisa toda”.

Hoje eles atuam não só exibindo filmes, mas também pesquisando e publicando idéias ligadas a utilização de novas mídias aplicadas ao cinema. Buscam compartilhar conhecimento e criar coletivamente. Buscam aproximar a produção cultural da cultura real.

Desde o início de 2004, o Falcatrua exibe filmes baixados da Internet em sessões semanais gratuitas, já tendo atingido um público direto de mais ou menos quinze mil pessoas. E a maioria desse público é formado por gente que, de outra forma, não teria acesso à cultura cinematográfica.

As distribuidoras que entraram com o processo contra o cineclube argumentam que os meninos e ou a Universidade são culpados, vide o nome do projeto. Eles podem até ser culpados, mas pela irreverência, ousadia, ignorância jurídica, irresponsabilidade talvez. Mas sinceramente, falcatrua é captar 12 milhões e não terminar o filme.

Falcatrua é imperar o apadrinhamento, o “apanelamento” e a falta de democratização da cultura. Esse projeto de experimentação divertidamente apelidado de Falcatrua faz muito mais pela formação de público e conceitos audiovisuais do que outras iniciativas ditas sérias; E remuneradas.

Fabricio, Rafael, Gabriel, Fernanda e Rodrigo, também chamados de Gilbertinho, codinome coletivo, não se sustentam com o Falcatrua. Quando entra alguma grana, ela vai pro projeto que além de difundir a cultura de cinema, ajuda a problematizar a distribuição e a exibição audiovisual.

O lado bom é que toda essa confusão fez o projeto tomar outro tamanho. As discussões foram ampliadas e quando eles viram já estavam em outra. Começaram a questionar a inviolabilidade do espaço. E começaram a pensar em bulir com a sala escura, com a produção e com a distribuição, além da exibição.

Entre os seus projetos consta o Festival de Baixa Resolução, todo divulgado e produzido pela internet. Podiam ser inscritos vídeos encontrados na web, com conteúdo original ou alterado. E só não entrou na seleção quem mandou o arquivo danificado. Eram aceitos vídeos de curta, media e longa “kilobaitagem”.

“A idéia era brincar com essa bobagem de pensar o filme pelo suporte, brincar com a estrutura dos modelos de festivais”. Não havia restrição de suporte, nacionalidade, ano de produção, gênero, duração, inclinação ideológica ou conteúdo. E o prêmio pro primeiro lugar era uma grade de cerveja, que o vencedor nunca foi buscar.

Produziram também o Agosto Cinema Clube, festival de discutir cinema no bar. Convidaram quatro indivíduos de outras áreas da cultura, que tinham em comum a paixão pelo cinema, e solicitaram que eles escolhessem um filme, e depois escrevessem um texto a respeito do mesmo. O texto foi publicado no jornal, e a Brahma patrocinou o evento com duas grades de cerveja por sessão. Um motivo a mais pra comparecer na segunda edição, agora no mês de agosto.

A Mostra Falcatrua de Conteúdos Livres aconteceu em Vitória, em Cachoeiro de Itapemirim e em Porto alegre, dentro da programação do Flô - Festival do Livre Olhar. Na tela, uma seleção de mais de uma hora de vídeos produzidos e distribuídos livremente. E antes das exibições, a galera batia um papo sobre a experiência do grupo.

Essa mostra acabou originando outra: a Mostra do Filme Livre (Mesmo!), que aconteceu recentemente dentro da programação do 7o Fórum Internacional do Software Livre, em Porto Alegre, e depois na UFES, em Vitória. Um apanhado de produções de diferentes origens, suportes e gêneros que tinham em comum a proposta de livre distribuição. E mais uma vez o Falcatrua ajudou a botar lenha no debate sobre os cruzamentos entre cinema e internet.

O cineclube promoveu também o lançamento do documentário Sou Feia Mas tô na Moda. Vieram a Denise Garcia, diretora, e a Denise Tigrona, pioneira compositora de funk sensual. Exibiram o filme em duas sessões, uma na Universidade, outra no extinto baile funk do Clube Rio Branco.

Mais recentemente, promoveram o ousado Festival CortaCurtas. “O primeiro festival de cinema expandido e aos pedaços”. O festival que acontece dentro da exposição Paradoxos Brasil, resultado do Rumos Artes Visuais do Itaú, propõe uma nova forma de consumo audiovisual, definida pela relação entre projecionista e público.

O projecionista é quem escolhe como, quando e por quanto tempo vai passar os 265 trabalhos inscritos. É isso mesmo: uma cena de um filme grudada em um take de outro filme, com o áudio de um terceiro vídeo. As vezes o filme ganha poética e sutil interferência. Outras vezes, ganha um minuto e meio de créditos descabidos.

Na sessão de lançamento do CortaCurtas, teve cineasta desavisado que reclamou. Um realizador que não leu o regulamento foi tirar satisfações com a organização do festival. Mas segundo eles, a galera se amarrou e adorou a oportunidade única de assistir às obras picotadas. Eu teria gostado.

O Falcatrua foi selecionado no Concurso de Idéias para Demos Jogáveis, do Minc, e procuram uma produtora interessada em comprar a idéia. O objetivo do jogo é produzir um filme. O jogador precisa arrumar o patrocínio, produzir o filme, dar um jeito de distribuir, exibir. Vai do início ao fim do doloroso processo cinematográfico.

E mais uma vez a idéia não é só brincar com a estabelecida cultura de produção de cinema, e sim levantar outra discussão: “Tem um sujeito ali usufruindo imagem e som, e tem interação e espectação. O videogame, enquanto linguagem audiovisual, deve ser levado a sério”.

Atualmente produzem também o KinoArcade, cine-campeonato de video-game que integra a programação do GAME CULTURA 2006, realizado no SESC Pompéia, São Paulo. O KinoArcade promove combates ao vivo projetados em sala de cinema, além de exibição de vídeos feitos com games.

Desde as primeiras sessões o Falcatrua ensina o pulo do gato, passando a quem quiser, os conhecimentos sobre como montar seu próprio e alternativo arsenal de exibição. Eles publicam cartilhas e zines. Ajudam a formar público e exibidores. E também inspiram outras iniciativas dessa modalidade de consumir cinema. Vida longa ao Falcatrua, que é um projeto muito sério !

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